Melhoria do cuidado neonatal como desafio global é tema da Semana Científica do Centenário IFF/Fiocruz


A conferência “Melhoria do Cuidado Neonatal Como Desafio Global”, proferida pelo professor titular de Pediatria da Universidade McGill, Guilherme Sant'Anna, ocorreu dia 3/4/24 durante a Semana Científica do Centenário do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz).

Logo no início da conferência, Guilherme esclareceu que todos os países devem reduzir a Taxa de Mortalidade Neonatal (TMN) para 12 ou menos mortes por 1.000 nascidos vivos até 2030. “A maioria dos países já atingiu essa meta, como o Brasil que conseguiu reduzir para 9”, disse ele, informando que as 3 principais causas de mortalidade neonatal global são eminentemente tratáveis: Prematuridade, Infecções e Eventos relacionados ao intraparto (“asfixia no nascimento”). No caso das infecções, enfatizou algumas medidas preventivas, como cuidados com a pele e lavagem de mãos, além de evitar antibióticos por muito tempo, alertando que no Brasil o uso acontece de forma excessivo e indiscriminado.

Ao abordar os cuidados gerais com prematuro extremo, o professor destacou a Estratégia QUALINEO, da qual o IFF/Fiocruz, em seu papel de Instituto Nacional, é a instituição executante dessa iniciativa do Ministério da Saúde para melhoria do cuidado e redução da Mortalidade Neonatal no Brasil. Essa estratégia segue, em todo país, articulada com a Estratégia para a Redução da Mortalidade Materna, também sob a condução do Instituto, em trabalho conjunto com todas as unidades federativas.

O conferencista reforçou a lista com os 10 passos para o cuidado neonatal, que concentra uma série de recomendações que tem por objetivo qualificar a atenção ao recém-nascido e sua família, e surgiu como resultado do trabalho integrado que vem sendo realizado pelo Ministério da Saúde, através de consultores envolvidos no cuidado neonatal que atuam na Estratégia QUALINEO, e especialistas do Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente.

Guilherme contou sobre o Projeto Bubble CPAP na Sala de Parto, no qual participou da implantação da estratégia no Brasil, que se trata de ventilação não invasiva para recém-nascidos com síndrome do desconforto respiratório infantil. “Até o momento, já foram realizadas mais de 40 palestras presenciais, várias oficinas em regiões, como Natal, Manaus, Brasília, São Luís, Bento Gonçalves, Belém e Uberlândia, e visita a mais de 50 Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) pelo país - rounds e ajudando a colocar recém-nascidos em Bubble CPAP. Com isso, uma UTIN em Brasília apresentou queda da taxa de lesão nasal de 77% para 6%”.

As contribuições de Ola Didrik Saugstad, pediatra, neonatologista e neurocientista norueguês conhecido por suas pesquisas sobre a reanimação de crianças recém-nascidas, também foram ressaltadas pelo professor. “Em 2010, as diretrizes internacionais para a reanimação de recém-nascidos foram alteradas, com base nas investigações de Ola, que é conselheiro da Organização Mundial da Saúde sobre mortalidade infantil, e colegas, para recomendar a utilização de ar em vez de oxigênio puro, uma descoberta que se estima salvar a vida de 200 mil crianças todos os anos”.

Tanto o aumento quanto a diminuição do O2 intracelular resultam em produção de espécies reativas tóxicas. “Prematuros são muito sensíveis, portanto, o oxigênio precisa ser usado com muito cuidado para evitar lesões. Excesso de oxigênio pode ocasionar lesão pulmonar, cerebral ou na retina, por exemplo. Uma coisa simples pode gerar uma consequência grave. Sendo assim, o Brasil também precisa produzir tecnologia própria, barata e confiável, de modo que a gente possa fazer aqui nesse país um controle de oxigênio adequado”, avaliou o conferencista.

No contexto do uso racional de oxigênio (O2) na UTI Neonatal, Guilherme contou sobre o Projeto Coala, que diz respeito exclusivamente ao uso de oxigênio (O2) em prematuros durante a internação na UTIN. “Uma das etapas do projeto, a Conscientização Profissional, propõe a disseminação da informação para toda equipe multidisciplinar, mostrando as evidências sobre o uso ótimo do oxigênio em prematuros internados na UTI Neonatal. Mais de 400 UTINs pelo país adotaram o projeto”.

Para finalizar, o conferencista informou sobre o Método Canguru, que é uma política nacional de saúde que integra um conjunto de ações voltadas para a qualificação do cuidado ao recém-nascido e sua família. Essas ações devem ser estabelecidas pelas equipes profissionais das Unidades Neonatais que devem estar preparadas para oferecer um atendimento de saúde qualificado, observando a individualidade de cada criança e de sua história familiar. Em relação a Neuroproteção e Desenvolvimento, Guilherme frisou que o Método Canguru recomenda, no ambiente, diminuir o barulho, manter a porta do quarto fechada e diminuir o excesso de luz. Já nos cuidados integrando a família, evitar termos técnicos, ter em mente que os pais não são visitas e que devem ensiná-los cuidados que ajudam no desenvolvimento, como a importância do contato pele a pele.

O professor compartilhou iniciativas importantes para melhorar a Neonatologia global e, principalmente, no Brasil


Na sequência, a moderadora da conferência, a pesquisadora do IFF/Fiocruz, Maria Elizabeth Lopes Moreira, comentou que já estamos chegando em 2030. “Faltam apenas 6 anos, muita coisa melhorou nos últimos anos, mas infelizmente tivemos no meio a pandemia de Covid-19 atrapalhando um pouco as estratégias criadas e lançadas para diminuir a prematuridade e o índice de cesarianas no Brasil, muitas vezes desnecessárias. Agora tem outras epidemias, como a obesidade infantil e a sífilis congênita, que precisam ser trabalhadas dentro das agendas”.

Além de mencionar os 5 P’s da Agenda 2030 (Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias), Maria Elizabeth elogiou a proposta QUALINEO. “A estratégia traz efetivamente uma melhoria do cuidado e mede os resultados de acordo com as condições e o contexto local, pois não adianta a gente apenas importar soluções, nós às vezes precisamos criar as nossas próprias soluções”.

A seguir, os painelistas da conferência trouxeram suas contribuições ao debate. O neonatologista do IFF/Fiocruz, José Roberto Ramos, alegou que o QUALINEO é uma responsabilidade individual e coletiva. “É uma estratégia que visa analisar e executar iniciativas que esse país precisa para melhorar a assistência neonatal. É um programa muito robusto, expressivo, com prática de beira de leito, round virtual com professores experientes, qualificação em práticas clínicas, monitoramento e olhar que ajuda, de fato, a gestão da unidade. Essa é a atuação do IFF/Fiocruz enquanto Instituto Nacional”.

A gestora da Área de Atenção Clínica ao Recém-Nascido do IFF/Fiocruz, Karla Pontes, afirmou que os profissionais precisam estar sempre atualizados para não perder o feeling do bebê. “Treinar é importante, mas manter a atualização constante também, não podemos achar que sabemos de tudo. Precisamos entender que o nosso “cliente” não é apenas o recém-nascido e sim a família. Então, devemos colocar em prática o Método Canguru e trazer a família para participar dos processos desde o pré-natal junto com a equipe multiprofissional”.

Karla compartilhou com os presentes que um dos eixos da Estratégia QUALINEO é o Curso de Especialização em Enfermagem Neonatal. Em 2022, o Instituto formou 153 enfermeiros especialistas em Neonatal em 10 Estados prioritários onde existia uma taxa de mortalidade alta. “Hoje, em 2024, ainda recebemos mensagens de ex-alunos que atualmente chefiam UTI e conseguem implementar planos que foram elaborados durante o curso. Agora, já estamos na segunda turma e espero que venha a terceira. O IFF/Fiocruz, como órgão executante dessa estratégia, está minimizando a disparidade que encontramos nos Estados e melhorando a qualidade do cuidado para diminuir a mortalidade neonatal. Está sendo uma oportunidade ímpar!”.

A pesquisadora do IFF/Fiocruz, Fátima Junqueira, destacou sua felicidade em ver a disseminação do Portal de Boas Práticas. “A ideia começou com um curso para 100 pessoas, mas que tiveram mais de 5 mil inscritos, o segundo mais de 12 mil inscritos. Começamos a receber perguntas e dúvidas de várias especialidades. Então, encontramos uma grande oportunidade de compartilhar conhecimento. As coisas foram se desdobrando e surgiu o Portal com uma proposta mais incorporada, pois as pessoas querem e precisam de informação qualificada para melhorar o cuidado”.

Fátima ressaltou que o controle da dor é uma mudança de comportamento. Nesse sentido, analisou a importância do e-book Diretriz para Prevenção e Manejo da Dor Aguda por Procedimentos Dolorosos no Período Neonatal, desenvolvido por especialistas brasileiros, atuantes em pesquisa, ensino e assistência na área neonatal, e coordenado por ela junto com a pesquisadora do IFF/Fiocruz, Pércide Verônica da Silva Cunha. “Os objetivos do documento são avaliar e sintetizar sistematicamente as informações científicas disponíveis em relação ao manejo da dor causada por procedimentos dolorosos agudos no recém-nascido de risco internado em unidade neonatal. Objetiva-se também oferecer ao profissional da área da saúde atuante em neonatologia informações objetivas e práticas sobre como avaliar, tratar e aliviar a dor do recém-nascido durante procedimentos dolorosos agudos”.

Para encerrar o debate, a nutricionista da Unidade Neonatal do IFF/Fiocruz, Giovana Salgado, enfatizou que Nutrição é mais do que nutrientes e leite materno é mais do que um alimento. “O aleitamento materno é uma medida eficaz para diminuir a mortalidade infantil em 13%, tem grande impacto na diminuição de doenças e infecções respiratórias. Esses benefícios se estendem para a sociedade e para o planeta, porque é menos resíduo”.

Giovana contou sobre uma iniciativa implantada desde o ano passado, em uma ação integrada do Banco de Leite Humano (BLH) do IFF/Fiocruz com a Nutrição e o Lactário. “O Instituto começou a distribuir leite fresco, que é coletado e vai rapidamente para os bebês. Mais de 4 litros já foram distribuídos, parece pouco, mas o bebê às vezes só precisa de 1, 2 ml. Com isso, 135 crianças já foram beneficiadas”, concluiu.

Da esquerda para a direita: Giovana Salgado, Karla Pontes, José Roberto Ramos, Fátima Junqueira, Maria Elizabeth Lopes Moreira e Guilherme Sant'Anna

 

Sobre a Semana Científica

No contexto do Centenário do Instituto, a Semana Científica, realizada de 2 a 4/4, teve como objetivo discutir temas relevantes à saúde e ao cuidado de mulheres, crianças e adolescentes. Foi organizada pelo Núcleo Diretor do IFF/Fiocruz e financiada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e Academia Nacional de Medicina (ANM). A Semana contou com uma agenda repleta de conferências e mesas-redondas, que abordaram temas fundamentais para profissionais e estudantes, sendo uma oportunidade valiosa de discutir os tópicos trazidos pelos experientes conferencistas e a busca de soluções para os desafios expostos.

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